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DE UM NOVO DIREITO DOS PROFESSORES.

02/10/2011 22:28

Por Ionara Soveral Scalabrin* e Leandro Gaspar Scalabrin**

 

     Desde 24 de agosto de 2011, os professores têm direito a trabalhar, no mínimo, um terço de sua jornada de trabalho sem a presença dos educandos. Este tempo pode ser destinado para preparar aulas, corrigir provas e trabalhos, realizar pesquisas e leituras, participar de atividades de formação pedagógica. Tratam-se das chamadas “atividades extra-classe” ou “horas-atividade” e significam seis horas e vinte minutos semanais, para a jornada de 20 horas, e doze horas e quarenta minutos semanais para a de 40 horas.

 

     Os professores da rede pública (federal, estadual ou municipal) da educação básica (educação infantil, ensino fundamental e médio) são os titulares deste novo direito, sejam contratados ou concursados, de área ou do currículo por atividade, unidocentes ou não, e também os que atuam na gestão escolar, nas atividades de direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, coordenação e orientação educacionais.

 

     A lei federal 11.738, de 16 de julho de 2008, criou este novo direito (artigo 2º, parágrafo 4º). Todavia, entre 30 de abril de 2009 e 24 de agosto de 2011, a eficácia do mesmo esteve suspensa por força de decisão cautelar proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta última data, porém, foi publicada nova decisão do STF, que restabeleceu a validade da lei e na qual o Tribunal reconheceu que “é constitucional a norma geral federal que reserva o percentual mínimo de 1/3 da carga horária dos docentes da educação básica para dedicação às atividades extraclasse” (ADI 4.167/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgada em 06/04/2011).

 

     Em nosso país, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, conforme garante nossa Constituição Federal (art. 5º, inciso II), de modo que aos professores está colocado um desafio. Desde 24 de agosto, cada um deles pode, em virtude da lei, a partir de sua livre iniciativa e sem necessidade de esperar pelo diretor da escola, pela secretaria de educação, pelo governo ou pelo Estado, trabalhar no mínimo um terço de sua carga horária sem alunos. A efetivação deste direito difere bastante da questão do piso nacional do magistério criado pela mesma lei 11.738 e que depende da ação do Estado para ser implantado.

 

     A eficácia de uma lei possui um carácter sociológico indiscutível, a ponto de poder afirmar-se que as leis efetivas são as leis obedecidas. Professores, não é chegado o momento de fazerem uma campanha nacional de obediência civil? Quem pode cometer o previsto na lei? Devem ou não obedecê-la? Eis a questão, haja vista que ninguém pode ser punido por cumprir uma lei.

 

 

 

* Pedagoga, mestranda em Educação (UPF). E-mail: io@via-rs.net
** Advogado, membro da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (RS). E-mail: leandroscalabrin@via-rs.net

 

 

 

 

 

 “Os gregos diferenciavam, como sabemos, entre dois conceitos distintos de tempo: cronos e cairós. O primeiro refere-se à passagem contínua do tempo (donde, cronologia) e o segundo conceito refere-se ao momento certo, maduro, para certos eventos. Há, também, no caso da psicogênese infantil, momentos certos (cairós) para promover o pensamento lógico, a moralidade autônoma e a competência lingüística. Sociedades que se omitem e não fornecem as condições materiais e sociais adequadas para as novas gerações nos momentos certos, perdem a oportunidade de criar cidadãos maduros, capazes de assumir com responsabilidade e autonomia suas funções na sociedade.”

(Bárbara Freitag, Socióloga Brasileira).

Batons e perfumes substituem as bonecas aos 8 ou 9 anos de idade. Telefones celulares se tornam presentes aos 10 ou 11. Se aos 12 ou 13 o menino ainda não “ficou” pra valer com nenhuma “gatinha”, tendo trocado beijos e carícias, ele passa a ser discriminado. Quando a menina tem 13 ou 14 anos espera-se que ela já tenha “experiências” e que freqüente “bailinhos”, festinhas e barzinhos...

A infância tornou-se uma chaga. Ninguém mais quer ter crianças em casa. A televisão apregoa através de exemplos em filmes, telenovelas ou noticiários que todos devem ser “espertos”, “descolados” e cada vez mais ousados. Brincar em parquinhos ou vestir roupas com símbolos da infância para quem tem 10 anos torna-se inaceitável. Surgiu até uma nova etapa do crescimento e evolução humana, detectada por especialistas, chama-se pré-adolescência...

O Cronos, medida de tempo dos gregos como nos ensina Bárbara Freitag, se sobrepõe ao Cairós. A passagem contínua do tempo supera a natural e impõe compromissos e realidades que não se relacionam diretamente ao que os corpos e mentes de nossas crianças acomodam, esperam, precisam e carecem.

Não há, ironicamente, tempo para a maturação. Aboliu-se a possibilidade de vivenciar etapas em que a aprendizagem e o crescimento acompanham as possibilidades físicas, intelectuais e afetivas naturais das pessoas. Precisamos ser adultos ou, ao menos, protótipos dos mesmos, ainda hoje... E como o tempo urge, parece que estamos sempre atrasados...

Não à toa as crianças começaram a ter enfermidades de adultos... Dores de cabeça inesperadas da superação precoce de etapas que a vida sempre nos ensinou a preservar, respeitar, reconhecer e admirar...

Não há muito espaço para os pequenos exercerem seus direitos de criança. E esses domínios não são apenas restritos no âmbito das cidades, escolas, casas ou demais áreas por eles freqüentadas... A imposição cultural nesse sentido é tão autoritária e premente que a alienação se estabelece também na cabeça de todos...

Os próprios pais e mães, educadores e autoridades, parentes e amigos próximos cobram, a todo instante, de forma consciente e inconsciente, que em lugar das crianças surjam os tais protótipos de adultos... Onde está o respeito ao Cairós? Será que algum dia devolveremos as crianças a possibilidade de vivenciar a infância com alegria, sem preocupações não condizentes a essa etapa da existência humana, com chances de amadurecer e se desenvolver no tempo certo?

 Texto sugerido por Elisabeth Silveira